segunda-feira, 27 de maio de 2013

por via das dúvidas...




passam por aqui gentes de todas as línguas, não estivesses este posto numa estrada que dá entrada a quem chega e a quem se despede deste nosso retângulo chegadinho ao mar. assim acostumamo-nos a fazer da nossa língua, hóspede de outras que nunca aprenderam esta. e falamos outras com o esmero que outros povos nos acha, incapazes perguntando-nos às vezes se teremos nós vindo "lá de fora".
numa destas ocasiões, debulhava eu o meu inglês com um casal que me pedia informações quando reparo que atrás dele se mexia com algum incómodo um outro cliente à espera de vez. olhava para mim e para o casal com alguma inquietação, olhava para os lados e parecia procurar indicações mas sem saber como o fazer. parecia-me nervoso e sem querer apressar demasiado os clientes que estava a atender procurei sorrir-lhe e abreviar ligeiramente o atendimento. despedi-me com um thank you very much, have a nice day and enjoy your holidays e virei a minha atenção para o nervoso cliente.
ouço um tímido e atabalhoado inglês, do you speak portuguese? respondi de imediato, yes of course, sou portuguesa. sinto o cliente esvaziar a tensão acumulada. sabe, é que eu sei falar pouco inglês e pensava que aqui só falavam nessa língua, estava a ficar nervoso.


domingo, 26 de maio de 2013

o funcionário público




chegou a vez dele e aprontou-se a pagar. qual foi a bomba em que abasteceu? olhe não me lembro, respondeu. bem, é que eu tenho duas a descoberto.. terá que fazer o favor de me dizer qual é para proceder ao pagamento. sem me parecer muito preocupado volta a repetir que não se lembra. então, para lhe avivar a memória, faculto-lhe os valores que tenho registados. uma das bombas tem um valor baixo na ordem dos 20 euros, outra num valor superior atingindo os 70 euros. mesmo com estes dados não identifica e diz-me, olhe menina deve ser um desses, não se preocupe, quem paga é o estado. eu quero é ir-me embora!
por momentos fiquei sem reação. as palavras que normalmente me saem porque estão ensaiadas na diária lida com elas atravessaram-se na garganta. pensei com medo que fosse alto demais e se ouvisse fora da minha cabeça se aquele homem não saberia que o estado era ele, eramos e somos todos nós? que o dinheiro dele pagava as despesas que ele tão levianamente achava que o estado podia pagar? calei contra a vontade toda esta urgência de dizer estas palavras e abotoei a linguagem da farda que vestia. importa-se de ir verificar, por favor, qual a bomba em que abasteceu para poder proceder ao pagamento? muito obrigada.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

lapsos




entrou loja adentro preparado para o pagamento. antes que o fizesse perguntei-lhe que mais queria. um pacote de marlboro. amarelo? perguntei-lhe. não, da cor das suas calças. da cor das minhas calças? que diabo. por que olharia ele para as minhas calças? não poderia olhar para outro lado ou simplesmente dizer a cor? as calças nem estão vísiveis , estando eu, atrás do balcão! não estou a gostar nada do as peto da conversa. melhor despachar isto com calma e sem muita conversa. deseja mais alguma coisa? um café. com certeza. costuma tomar café dentro das nossas calças? ups! desta vez a pergunta que sai automática e devia referir-se aos nossos postos saiu engatilhada. corou o cliente e eu fiquei sem pinga de sangue. desculpe, corrigi a seguir, queria dizer nos nossos postos. quis brincar, nas nossas calças não poderia. enterrava-me. quando é que ele beberia o café e viraria costas? pagou e saiu. dei um suspiro. e com ele toda a tensão que quase não me deixava mexer. malditos lapsos!